segunda-feira, 15 de junho de 2015

"Ohhh, sabes como é que é..."

A inconsciência da vulnerabilidade em que vivemos é dilacerante. De tal forma que quando paramos para pensar, efectivamente, como as coisas estão (e são), certamente não demoramos muito a mudar de assunto. Uns pelo dinheiro (que não têm), outros, pela ausência de capital social que ainda os faz mudar mais rapidamente de assunto, outros que começam (e acabam logo) a discutir "política" e outros ainda que, só pelo facto de terem que pensar nisso... desistem!

E é aqui que reside, muito convictamente, o maior erro de análise social dos últimos tempos - o pensamento desenquadrado na matriz social. Da relatividade face ao outro e a si mesmo, ao lugar que se ocupa e que, amanhã, poderá (e deverá?) ser ocupado pelo outro. A inconsciente situação de vulnerabilidade, não só pessoal mas também social (e até humana). O fosso entre quem assim está, nesse estágio de insconsciência e entre quem assim (acha) que não está.

Enebriados pelo trabalho, pelos prazos que terminam amanhã, pelos relatórios, pelas constantes solicitações a projectos que deveriam ter sido fechados na semana passada, pelo que foi dito mas não foi escrito, deixamos totalmente ao acaso as decisões óbvias, de matemática básica e de racionalidade translúcida. Por medo, por receio? Sim, cada vez mais. Medo e receio! E o status, esse casaco de pele quente que gela no Verão à passagem de uma nuvem menos branca, é qualquer coisa de viciante. Mais resistente do que a mentalidade à própria mudança mas tão indesejavelmente efémero como a nossa importância. Como do homem que nada é mas que manda, à mulher que, tirando o corpo que ostenta, pouco lidera. Do homem que levanta a voz mas que, nas suas costas, todos respondem. À mulher que sorri para fora mas por dentro ri (de) para quem sorriu.

E ao mesmo tempo, o poder. Essa doce almofada a que estamos tão agarrados que jamais saberemos gerir o que quer que seja... pelo grau do currículo, pelo título na fachada, pela cadeira onde nos sentamos... rapidamente perdemos o segredo de qualquer gestão. Somos e criamos o nosso pequeno feudo, sem o qual não somos, não vivemos, não delegamos, não ensinamos, não aprendemos nem amamos. Somos rápidos nas avaliações, nas "intuições" e nem sequer queremos saber qual é o contexto. Mesmo que nos seja dado, ali, à nossa frente, à distância de um telefonema ou de um mail, de uma pergunta. Mas não... somos nós que decidimos como é porque afinal, podemos! E o grave não é não sabermos... é mesmo não querermos saber. E assim achamos que controlamos.

E vivemos nisto, nesta esquizofrenia social, nesta vulnerabilidade incrível, quase sem nos apercebermos, todos os dias, uns atrás dos outros, acabando por dizer sempre a mesma coisa: "oh, sabes como é que é..."